A um poeta exilado - Gonçalves Dias

A um poeta exilado

Tão bem vaguei, Cantor, por clima estranho,
Vi novos vales, novas serranias,
Vi novos astros sobre mim luzindo;
E eu só! E eu triste!

Ao sereno Mondego, ao Doiro, ao Tejo
Pedi inspirações, — e o Doiro e o Tejo
Do mísero proscrito repetiram
Sentidos carmes.

Repetiu-mos o plácido Mondego;
Talvez em mais de um peito se gravaram,
Em mais de uns meigos lábios murmurados,
Talvez soaram.

Os filhos de Minerva, novos cisnes,
Que a fonte dos amores meigos cria,
E alguns de Lísia sonoros vates,
Sisudos mestres;

Ouvindo aquele canto agreste e rudo
Do selvagem guerreiro, — e a voz do piaga
Rugindo, como o vento na floresta,
Prenhe d’augúrios;

Benignos me olharam, e aos meus ensaios
Talvez sorriram; porém mais prendeu-me,
Quem sofrendo como eu, chorou comigo,
Quem me deu lágrimas!
Eu pois, que nesta vida hei aprendido
Só cantar e sofrer, não vejo embalde
Ao canto a dor unida, — e os repassados
Versos de pranto.

Do triste poleá choro a desdita,
Choro e digo entre mim: “Pobre Canário
Que fado mau cegou, por que soltasse
Mais doce canto;

Pobre Orfeu, nestes tempos mal nascido,
Atrás dum bem sonhado pelo mundo
A vagar com lira — um bem que os homens
Não podem dar-te!

Se quer esta lembrança a dor te abrande:
A vida é breve, e o teu cantar simelha
Vagido fraco de menino enfermo,
Que Deus escuta.

Gonçalves Dias

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