Ao meu coração - Adélia Fonseca

Ao meu coração

Porque estás tão apressado,
Coração, a palpitar?
Queres, deixando meu peito,
Por esses ares voar?
Queres do meu pensamento
A carreira acompanhar?

Queres, misero insensato,
Este desejo cumprir?
Intentas da fantasia
Os amplos voos seguir?
Buscas, vencendo a distancia,
Tua saudade extinguir?...

Esta saudade tão funda,
Tão viva, tão pertinaz,
Que te faz tão desgraçado,
Que tão ditoso te faz?
Que tanto te amarga ás vezes
Que ás vezes tanto te apraz?

Pretendes tu, pobre louco,
Tuas dores aumentar?
Desejas ao lado — d’Elle —
De martírios te fartar?
Queres nos olhos, que adoras
Mais desenganos buscar?

Si ao excesso do tormento
Tivesses de sucumbir,
Quem tanto havia de ama-lo,
Deixando tu de existir?
Quem ousaria contigo
Em firmeza competir?

E ele, onde poderia
Tão soberano reinar?
Onde iria sua imagem
Obter tão devoto altar,
E tão desvelado culto,
Tão fervoroso, encontrar?

Deixa ir só meu pensamento,
De seus voos na amplidão;
Quem sabe se ao lado de outra
O acharás, coração?
Morre embora de saudade;
Porem de ciúme... não!

Adélia Fonseca


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Poema ao acaso