Luís da Gama - Junto à Estátua

Junto à estátuapor Luís da Gama
Em plácida manhã serena e pura,
Sentado à borda de espaçoso lago;
O corpo recostado em frio marmor,
Tórridos membros sobre a terra quedos,
Qual túmido Tritão de amor vencido,
Transpondo as serras, iracundos mares,
D’Aurora o berço perscrutando ousado,
Dolorosos suspiros exalava
Meu frágil peito da natura escravo.
Já nas fúlgidas portas do Oriente,
Trajando púrpura majestoso assoma
Luzeiro ardente, que expandindo os raios,
Deslumbra os olhos, e a razão sucumbe;
E, com furtiva luz, pálidas fogem
Notívagas esferas cintilantes.
As brandas auras perfumadas vinham
De grato aroma que invejara Meca,
Nos tortos ramos assoprar de manso.

Em nuvens brancas lá do céu caía
Pranto saudoso que derrama a Aurora,
Que a terra orvalha, que floreia os prados.

Volátil bando de ligeiras aves,
Brandindo as asas pelo ar brincavam,
Modulando canções, ternas endechas.

Longe do mundo, das escravas turbas,
Que o ouro compra de avarentos, Cresos,
A minh’alma aos delírios se entregava,
A sombra de ilusões – de aéreos sonhos.

Formosa virgem de nevado colo,
De garços olhos, de cabelos louros;
Sanguíneos lábios, elegante porte,
Mimoso rosto de Ericina bela,
Curvando o seio de alabastro fino,
Mimosa imprime nos meus lábios negros
Gostoso beijo de volúpia ardente! –
Vencido de prazer, nadando em gozos,
Já temeroso pé movendo incerto,
Vôo com ela às regiões etéreas
Nas tênues asas de ternura infinda.












Rasgando o véu das ilusões mentidas,
Que est’alma frágil seduzir puderam,
Imóvel terra, cambiantes flores,
Viram meus olhos no romper da Aurora;
E dentre os braços, que cerrados tinha,
Gelada estátua de grosseiro mármore!...

Cândidas boninas,
E purpúreas rosas,
Violetas roxas
Do luar saudosas!

Verdejantes murtas,
Redolentes cravos,
Lindas papoulas
Da donzela escravos,

Ao soprar da brisa,
Em balanço undoso,
O mortal encantam
Num sonhar gostoso.

Mas fugindo as nuvens
– Que a ilusão fulgura,
Só vagueia à sombra
Da infernal ventura.

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Poema ao acaso