A História - Gonçalves Dias

A História

Triste lição da experiência deixam
Os évos no passar, e os mesmos atos
Renovados sem fim por muitos povos
Sob nomes diversos se encadeiam:
Aqui, além, agora ou no passado,
Amor, dedicação, virtude e glória,
Baixeza, crime, infâmia se repetem,
Quer gravados no sócco de uma estatua,
Quer em vil pelourinho memorados.
Eis a história! — rainha veneranda,
Trajando agora sedas e veludos,
Depois vestindo um saco desprezível,
De imunda cinza, apolvilhada a fronte.

Se as virtudes do pobre não tem preço,
Também dos vícios seus a nódoa exígua
Não conspurca as nações; mas ai dos grandes,
Que trilham senda errada, a cujo termo
Se levanta a barreira do sepulcro,
Onde se quebra a adulação sem força.
Se virtuoso, as gerações passando
As cinzas lhe beijaram; se malvado
Cospem-lhe afrontas na vaidosa campa,
Jamais de amigas lágrimas molhada.
E qual do Egito nos festins funéreos,
Maldizem bons e maus sua memória,
Lançando à face da real múmia
Dos crimes seus a lacrimosa história.
Talvez, porém, um infortúnio grande,
Um exemplo sublime de virtude
Cobre dourada página, que aos olhos
Pranto consolador do peito arranca.

Eis a história! — um espelho do passado,
Folhas do livro eterno desdobradas
Aos olhos dos mortais; — aqui, sem mancha,
Além golfeja sangue e sua crimes.
Tal foi, tal é: retrato desbotado,
Onde se mira a geração que passa,
Sem cor, sem vida, — e ao mesmo tempo espelho,
Que há de ser nova cópia à gente nova,
Como os anos aos anos se sucedem.
Ondas de mar sereno ou tormentoso,
As mesmas na aparência, que se quebram
Sobre as da areia flutuantes praias.

Gonçalves Dias

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