Quadras ao gosto popular (9) - Fernando Pessoa


Ó loura dos olhos tristes 
Que me não quis escutar... 
Quero só saber se existes 
Para ver se te hei de amar. 


Há grandes sombras na horta 
Quando a amiga lá vai ter... 
Ser feliz é o que importa, 
Não importa como o ser! 


O moinho de café 
Mói grãos e faz deles pó. 
O pó que a minh'alma é 
Moeu quem me deixa só. 


Dizem que não és aquela 
Que te julgavam aqui. 
Mas se és alguém e és bela 
Que mais quererão de ti? 


Tenho um livrinho onde escrevo 
Quando me esqueço de ti. 
É um livro de capa negra 
Onde inda nada escrevi. 


Olhos tristes, grandes, pretos, 
Que dizeis sem me falar 
Que não há filhos nem netos 
De eu não querer amar. 


Meu coração a bater 
Parece estar-me a lembrar 
Que, se um dia te esquecer, 
Será por ele parar. 


Quantas vezes a memória 
Para fingir que inda é gente, 
Nos conta uma grande história 
Em que ninguém está presente 


Trazes o vestido novo 
Como quem sabe o que faz. 
Como és bonita entre o povo, 
Mesmo ficando para trás! 


A tua boca de riso 
Parece olhar para a gente 
Com um olhar que é preciso 
Para saber que se sente. 

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Poema ao acaso