Quadras ao gosto popular (1) - Fernando Pessoa

Cantigas de portugueses
São como barcos no mar —
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar. 


Eu tenho um colar de pérolas
Enfiado para te dar:
As per'las são os meus beijos,
O fio é o meu penar. 


A terra é sem vida, e nada
Vive mais que o coração...
E envolve-te a terra fria
E a minha saudade não! 


Deixa que um momento pense
Que ainda vives ao meu lado...
Triste de quem por si mesmo
Precisa ser enganado! 


Morto, hei de estar ao teu lado
Sem o sentir nem saber...
Mesmo assim, isso me basta
P'ra ver um bem em morrer. 


Não sei se a alma no Além vive...
Morreste!  E eu quero morrer!
Se vive, ver-te-ei; se não,
Só assim te posso esquecer. 


Se ontem à tua porta
Mais triste o vento passou —
Olha: levava um suspiro...
Bem sabes quem to mandou... 


Entreguei-te o coração,
E que tratos tu lhe deste!
É talvez por 'star estragado
Que ainda não mo devolveste ... 


A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada. 


Tens o leque desdobrado
Sem que estejas a abanar.
Amor que pensa e que pensa
Começa ou vai acabar. 

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Poema ao acaso