A internacionalização do capital financeiro amplia-se, recentemente, por várias razões. Na fase histórica atual, as megafirmas devem, obrigatoriamente, preocupar-se com o uso financeiro do dinheiro que obtêm. As grandes empresas são, quase que compulsoriamente, ladeadas por grandes empresas financeiras.
Essas empresas financeiras das multinacionais utilizam sem grande parte a poupança dos países em que se encontram. Quando uma firma de qualquer outro país se instala num país C ou D, as poupanças internas passam a participar da lógica financeira e do trabalho financeiro dessa multinacional. Quando expatriado, esse dinheiro pode regressar ao país de origem na forma de crédito e de dívida, quer dizer, por intermédio das grandes empresas globais. O que seria poupança interna transforma-se em poupança externa, pela qual os países recipiendários devem pagar juros extorsivos. O que sai do país como royalties, inteligência comprada, pagamento de serviços ou remessa de lucros volta como crédito e dívida. Essa é a lógica atual da internacionalização do crédito e da dívida. A aceitação de uma modelo econômico em que o pagamento da dívida é prioritário implica a aceitação da lógica desse dinheiro.
Nas condições atuais de economia internacional, o financeiro ganha uma espécie de autonomia. Por isso, a relação entre a finança e a produção, entre o que agora se chama economia real e o mundo da finança, dá lugar àquilo que Marx chamava de loucura especulativa, fundada no papel do dinheiro em estado puro. Este se torna o centro do mundo. É o dinheiro como, simplesmente, dinheiro, recriando seu fetichismo pela ideologia. O sistema financeiro descobre fórmulas imaginosas, inventa sempre novos instrumentos, multiplica o que chama de derivativos, que são forma sempre renovadas de oferta dessa mercadoria aos especuladores. O resultado é que a especulação exponencial assim redefinida vai se tornar algo indispensável, intrínseco, ao sistema, graças aos processos técnicos da nossa época. É o tempo real que vai permitir a rapidez das operações e a volatilidade dos assets. E a finança move a economia e a deforma, levando seus tentáculos a todos os aspectos da vida. Por isso, é lícito falar de tirania do dinheiro.
Se o dinheiro em estado puro se tornou despótico, isso também se deve ao foto de que tudo se torna valor de troca. A monetarização da vida cotidiana ganhou, no mundo inteiro, um enorme terreno nos últimos 25 anos. Essa presença do dinheiro em toda parte acaba por constituir um dado ameaçador da nossa existência cotidiana.
Milton Santos (Por uma outra globalização)
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal / Milton Santos. - 10a Ed. - Rio de Janeiro: Record, 2003.
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