Luís da Gama - O Velho Namorado

O Velho Namoradopor Luís da Gama

Um velho demente,
Mimoso ratão,
Fiado em Cupido,
Quis ser Maganão.

Janeiros sessenta,
Contava o patola,
Com rugas na cara,
Com ar de façola.

Gorducho e roliço,
Qual porco cacete;
Cabeça de coco,
Nariz de pivete.

De pança crescida,
Andar de garoto,
Franzindo sobrolho,
Olhar de maroto.

Cedendo à loucura,
Que dele zombava,
A barba e cabelo
Cuidoso pintava.

Brunia os sapatos,
O fato escovava;
Na destra grosseira
Bengala empunhava.

Se via à janela,
Mocinha dengosa;
De lindo semblante
E lábios de rosa:

Então, derretido,
O velho lapuz,
Saltava, gingava,
Qual jovem de truz.

Se a bela formosa,
Por mofa, sorria,
O pobre do punga
Alentos bebia.

Assim pretendia
Esposa encontrar,
Que a sua rabuge
Quisesse aturar

Eis chega-se o dia
De amor inspirado;
Enfeita-se o asno,
Assim preparado.

Da cara deidade
Trepando as escadas,
Com fúria de bravo,
Dá quatro palmadas!

Lá corre a criada,
Mulata faceira,
De porte agradável,
Nos modos brejeira;

E vendo o basbaque
A moda vestido,
Exclama, sorrindo:
— “Que lindo Cupido!.

“Bonita casaca,
“Colete bordado;
“Chapéu de patente,
“Cabelo pintado!...

“Vem tão bonitinho!...
“A quem quer falar?”
— “Co’a dona da casa
“Desejo tratar.”

Escanc’ram-se as portas,
Lá entra o velhote,
De negra azeitona
Redondo ancorote.

Eis chega a matrona,
Que a casa dirige;
Daquela visita,
A dona se aflige.

Também vem com ela
Formosa menina,
De louros cabelos
E face divina.

— “Que ordenas, pergunta,
“Ilustre mancebo?”
Estufa-se o lorpa,
Cupido de sebo!

Prepara a garganta,
Tomando postura,
À frente se põe
Da prenda futura.

E qual orador
Em pleno auditório,
O gebas começa
O seu palanfrório:

Ó Venus pudibunda, sem igual,
A teus pés aqui tens este animal,
Que vencido de amor pelos teus gestos,
Curvado te apresenta os seus protestos!
Vencestes do bigode — autoridade,
Do soldado a cruel severidade!
Este todo que vês tão rijo e duro,
Em borra ficará para o futuro;
Este peito que bate só por ti,
Já rendido e quebrado o tens aqui.
Guerreiro das campanhas cupidárias,
Dos mercúrios, jalapas e fumárias.
Sou velho, mas em tudo tão perfeito,
Que não conto, sequer um só defeito!

Agora tu, matrona ajuizada,
Que pariste esta prenda delicada,
Consente no casório desejado,
— Não faças do velhote um desgraçado!

Notando a donzela,
Que o peco farfante,
Vencido de amores,
Se fez um pedante;

A ele se chega,
Com ar sedutor,
Que os peitos encanta
Que mata de amor;

Com gesto femíneo
Que a mente não trai,
Sorrindo, lhe disse:
“A bênção, papai!...”

Depois, prazenteira,
A face voltando,
Com garbo de fada
Se foi retirando!...

E com esta chalaça tão picante
O avô de Saturno, delirante,
Não ficou homem, não, mas mudo e quedo
Qual junto de um penedo outro penedo!
E, depois que sentiu-se codilhado,
Pela porta tomou, muito enfiado.

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Poema ao acaso