Desesperança - Gonçalves Dias

Desesperança

Que me importa do mundo a inclemência
E esta vida cruel, amargada?
Desde que os olhos abri à existência
Um vislumbre de amor não achei!
Nem uma hora tranquila e fadada,
Nem um gozo me foi lenitivo;
Mas no mundo maldito em que vivo
Quantas ânsias, meu Deus, não provei!

Já bastante lutei com meu fado!
Quando outrora corri descuidoso
Atrás de um bem, não real, mas sonhado,
Transbordava de sonhos gentis:
Eu julgava que a um peito brioso
Ou que a uma alma que fácil se inflama
Por virtudes, por glória, ou por fama,
Era fácil aqui ser feliz.

Via o mundo através dos meus prantos
A sorrir-se pra mim caroável,
Refletindo celestes encantos,
Que era visto d′um prisma através:
Hoje trevas em manto palpável
Me circundam, — nem já por acerto
Vejo triste nos prantos que verto
Luz do céu refletida outra vez!

Que me resta na terra? — Estas flores
Afagadas do sopro da brisa,
Disputando do sol os fulgores,
Balançadas no débil hastil!
Estas fontes de prata, que frisa
Brando vento, — estas nuvens brilhantes,
Estas selvas sem fim, sussurrantes,
Estes céus do gigante Brasil;

Nada já me renova a esperança,
Que jaz morta qual flor ressequida,
Só me resta a querida lembrança
Que o martírio se acaba nos céus:
Foge pois, ó minha alma, da vida;
Foge, foge da vida mesquinha,
Leva a tímida esperança, caminha,
Até parar na presença de Deus.

Que estes gozos de etéreos prazeres,
Que esta fonte de luz que ilumina,
Que estes vagos fantasmas de seres,
Que cismando só posso enxergar;
Que os amores de essência divina,
Que eu concebo e procuro e não vejo,
Que este fundo e cansado desejo,
Deus somente t′os pode fartar.

Vai assim a medrosa donzela,
Pura e casta na ingênua beleza,
Buscar luz à remota capela,
Branca cera na pálida mão:
Tudo é sombra, silêncio e tristeza!
Mas ao toque do fogo sagrado,
Arde em chamas o círio apagado,
Já rutila brilhante clarão.



Gonçalves Dias

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