O morcego - Augusto dos Anjos

O MORCEGO

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. 
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: 
Na bruta ardência orgânica dasede, 
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho. 

“Vou mandar levantar outra parede...” 
-- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho 
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, 
Circularmente sobre a minha rede! 

Pego de um pau. Esforços faço. Chego 
A tocá-lo. Minh’alma se concentra. 
Que ventre produziu tão feio parto?! 

A Consciência Humana é este morcego! 
Por mais que a gente faça, à noite ele entra 
Imperceptivelmente em nosso quarto! 

Augusto dos Anjos

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Poema ao acaso