A amada - Safo

A amada

Ventura, que iguala aos deuses,
Em meu conceito, desfruta
Quem, junto de ti sentada,
As doces falas te escuta,
Goza teu mago sorrir.

Quando imagino em tal gosto
ë minha alma um labirinto;
Expira-me a voz nos lábios;
Nas veias um fogo sinto;
Sinto os ouvidos zunir.

Gelado suor me inunda;
O corpo se me arrepia;
Foge-me as cores do rosto,
Como ao vir da quadra fria
Entra a folha a desmaiar.

Respiro a custo, e já cuido
Que se esvai a doce vida!
Arrisquemo-nos a tudo...
Contra uma angústia insofrida
tudo se deve tentar.
...

Toca, minha amiga,
as cordas puras da tua lira.

Já a idade fez secar meu corpo,
embranquecendo-me os cabelos que eram pretos,
tornando-me os joelhos mais que frouxos.

E agora, ó companheira bem amada,
querem levar-te para longe do meu peito,
como fazem também às jovens corças.

Adoro, mais que tudo, a flor da juventude.
Meu coração apaixonou-se pelo sol,
meu coração apaixonou-se pela beleza.

Igual aos deuses me parece
quem a teu lado vai sentar-se,
quem saboreia a tua voz
mais as delícias desse riso.

quem me derrete o coração
e o faz bater sobre os meus lábios.
Assim que vejo esse teu rosto,
quebra-se logo a minha voz,

seca-me a língua entre os dentes,
corre-me um fogo sob a pele,
ficam-me surdos os ouvidos
e os olhos cegos de repente.

Torna-se líquido o meu corpo:
transpiro e tremo ao mesmo tempo.
Vejo-me verde: mais que a erva.
Só por acaso é que não morro.

Mergulha o teu corpo nesta água clara;
veste-lhe a brancura de açafrão e púrpura;
e o bordado brilho que há na tua túnica
aumente a beleza que me é tão cara...

A morte não é um bem.
Os próprios deuses o sabem.

Eles preferiram viver...

Safo

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Poema ao acaso